segunda-feira, 10 de dezembro de 2007

Porque sim, Zequinha!

mitologia
[Do gr. mythología.]
Substantivo feminino.
1.História fabulosa dos deuses, semideuses e heróis da Antiguidade greco-romana.
2.O conjunto dos mitos próprios de um povo, de uma civilização, de uma religião
3.Ciência, estudo ou tratado acerca das origens, desenvolvimento e significação deles.
4.O conjunto dos mitos relacionados com um personagem, um fato, uma doutrina, um tema, etc.

Há relativamente pouco tempo caiu minha ficha do poder que as explicações mitológicas tinham no passado. Hoje parece patranha afirmar que o trovão é causado pela agitação do martelo de Thor, seu Deus, mas não muito antes de 2.500 anos atrás amores avassaladores eram fruto da flecha que não fere de Eros (também conhecido como Cupido), pestes e guerras eram atribuídas à ira dos deuses e as mulheres inseguras (alguma identificação aqui?) faziam oferendas à Afrodite, poderosíssima Deusa da Beleza (cujos artifícios foram emprestados até a Hera, esposa de Zeus, “pai dos deuses e dos homens”, para apimentar seu casamento).

Àqueles que não estão por dentro do mundo mítico e/ou dos pensadores introduzo aqui alguns conceitos básicos. Mitos são histórias tradicionais de cada cultura/população, protagonizadas por uma amálgama de humanos, Deuses e seres sobrenaturais, que surgiram para explicar fenômenos naturais, fatos cotidianos ou tudo o que for de esbugalhar os olhos e cair a mandíbula. Já a filosofia (letra inicial minúscula defendida pela Márcia Tiburi) e, portanto, a explicação filosófica, glosa a realidade seguindo a razão e lógica, através da dialética ou até da mais donzel das reflexões.

A curiosidade humana é incontestável! E graças a ela temos quase todas as descobertas que refletem em nosso mordomado sedentário de hoje. Entretanto, quando o Homo sapiens não era tão sapiens assim, mas já sapiente o bastante para enlear argumentos e idear frases, erigir palácios e idéias, ele começou a reparar na natureza e a interpretá-la. “Mas por que, Pati?”. Não sei bem ao certo, todavia posso supor que era para compreender o recôndito, por algumas razões:

1) É nossa aptidão inata repudiar o que nos é desconhecido, afinal, não sabemos qual dano ou surpresa pode nos causar sua proximidade ou contato.
2) Por automatismo nosso de querer classificar tudo. Atribuir, com simplismo, determinada qualidade em algo e querer restringi-lo àquilo.
3) Para, aparentemente, diminuir sua carência real de conhecimentos dizendo uma meia-verdade (que não seria mentira-inteira?)
4) Gerar normas de conduta capazes de evitar ou alertar as pessoas dos perigos de seus próprios instintos e vícios sociais.

Até mais ou menos o ano 600 a.C. havia uma explicação fabulosa para tudo. E os deuses não agiam sozinhos: para terem seus pedidos ou súplicas atendidos, os pobres mortais realizavam rituais e ofertas, que agradariam aos numes. Algumas dessas deidades, os mais niquentos, exigiam como oblação vidas animais e humanas. Essa prática só perdeu, parcialmente, força, com a chegada de um esquadrão de filósofos, cuja espada era a dialética e o escudo a lógica, para denegar os mi(n)tos. E houve uma cevadura de divindades, de cujo sangue nasceu o sentido filosófico naturalista. Foi criado, então, o “deus” Logos, pertinente até hoje àqueles que usam o cérebro para armazenar outras cousas que não os capítulos da novelinha teen Malhação.

Todos cuja infância deu-se no início dos anos 90, como eu, se lembrarão do personagem Zequinha, do Castelo Rá-Tim-Bum, cujos “por ques” eram exaustivamente insistentes. Ele era um pequeno filósofo, mesmo sem o saber, inconformado com os “porque sim, Zequinha!”, e que buscava a explicação mais profunda que a medíocre. Se não em si, naqueles que deveriam saber mais (não necessariamente “mais velhos”).

Se na época de Aristófanes (ateniense, considerado um grande exemplar da Comédia Antiga) a idade era diretamente proporcional à quantidade de sapiência adquirida, hoje esses valores mudaram e há um sinal de -1 multiplicando o conhecimento arrecadado. Ser mais velho, na classe média de hoje, é sinônimo de ser mais viajado (mesmo sem fazer uma pesquisa prévia da cultura do local visitado, blasfemando-o com “que lindo”s vazios), ser dotado do poder de discursar moralmente (mesmo sem mérito algum), ou de ser ouvido, mas não atendido (afinal, “é velho mesmo...”). Bem Amaury Jr, diga-se de passagem. Os valores são outros, mas paro por aqui neste devaneio, que é tão vasto que seria homenageado com outro post, só dele.

A mitologia grega tem como primo pobre, no Brasil, o folclore. Cada região com o seu populário, já que existem estados brasileiros do tamanho de países da Europa (além de outros muito maiores), e de culturas tão distintas quanto Alemanha e Belarus. Não temos deuses poderosos como os gregos, mas alguns biltres sobrenaturais se fazem presentes em nossa fantasia. Até hoje! Um exemplo amazonense é o famoso Boto.

Explicação mitológica: Nas primeiras horas da noite o Boto transforma-se em um homem bonito e forte, um caboclo vestido de branco, bronzeado e muito perfumado que convida as moças para dançar e depois as seduz. Consuma-se o ato sexual e, antes do amanhecer, o homem garboso deixa a garota e volta pro rio, retornando a ser cetáceoforme.

Explicação Filosófica: A lenda do Boto surgiu para explicar todas as “gravidezes de origem desconhecida”. A crença no Boto evita discórdias geradas pela gravidez indesejada entre casais e amantes, meninas supostamente virgens ou algumas celibatárias. Já que a safadeza foi do Boto, e não delas, estão perdoadas...

Eu também já fui presa de uma explicação mitológica, até encontrar a minha filosófica para o mesmo fato.

Quando eu era criança, no rancho dos meus pais, em Santa Fé do Sul (http://www1.santafedosul.sp.gov.br/), sempre aconteciam coisas estranhas. Cadeiras do alpendre amanheciam viradas, latas do lixo caídas, grunhidos soturnos de animais abissais faziam o fundo musical dos meus finais de semana em terra estrangeira.

Caminhando com papai, perguntei sobre a balbúrdia e ele me disse: “É o Saci que faz isso.” “O da televisão, pai?” “Um primo dele. Ele é meu amigo, e mora aqui nessa mata (e apontou pro arvoredo que ficava a alguns passos de gigante da nossa casa de refolgo)”. Era o que toda criança queria: o pai amigo de um saci. Inúmeras vezes, durante quase cinco anos, fui à aglomeração de árvores caçar o Saci. Toda folha seca pisada, galhos de árvore mexendo, som de bicho do mato, era sinal de que o Saci estava lá, divertindo-se, como bom chafalhão negrinho pré-adolescente faria, com minha incapacidade de vê-lo.

Uma noite, já com meus 12 anos, escutei o barulho de cadeira caindo e quis conhecer o Saci, que teimava em esconder-se de mim. Espiei se não era lua cheia (afinal, haviam visto lobisomem na área) e coloquei os pés, depois o corpo todo, na pátio nu, cuja vista era um rio Paraná de águas negras, espelho da Lua semi-escondida. Vi, ora pois, o cachorro do caseiro correndo aos braços abertos da escuridão. Estranho... Pensei, pensei e encontrei, enfim, uma explicação racional e lógica aos ocorridos. Filosofara pela primeira vez. Foi nesta noute que matei o Saci!