quinta-feira, 28 de agosto de 2014

Amistad



amizade
sf (lat amicitate)
1. Sentimento de amigo; afeto que liga as pessoas.
2. Reciprocidade de afeto.
3. Benevolência.
4. Amor.

ligação
sf (lat ligatione)
1. Ato ou efeito de ligar.
(...)
 3. Conexão.
(...)
5. Laço, vínculo, relação entre pessoas.

telepatia
sf (tele1+pato5+ia1)
1. Capacidade que se pretende possuam algumas pessoas de transmitir e receber pensamentos a distância, sem que façam uso dos sentidos naturais.

 




Quem me conhece sabe que adoro escrever.  Quem me conhece um pouquinho mais sabe que ontem foi meu aniversário. Mas quem me conhece mesmo, mesmo, mesmo sem nunca termos tido uma conversa tête-à-tête, é a minha amiga, professora de formação, psicanalista de vocação, Cleonice. E todos os anos o ritual é próprio: ela me presenteia com seu ouro negro - que não é o petróleo, mas a tinta de uma pena, ainda que virtualizada, na forma de um texto - que tanto me é caro e raro. Qualidades da nossa amizade de mais de três anos!

Tenho amigos escritores. Alguns, tímidos, o fazem para catapultar seus sentimentos, presos nas próprias correntes tecidas com sua exagerada autocrítica; outros, mais dinâmicos, para cadenciar os pensamentos que correm livres como crianças num parque. Terceiros, e aqui me incluo, redigem como catarse, um antídoto ao vômito das sensações e ao parto das dores de cabeça causadas pelos movimentos repetitivos do martelar de Zeus na confecção inconsciente de histórias subjetivas abstratas. Mas ela, e somente ela, entre os já raros, escreve compulsoriamente como forma de generosidade. Escreve para o outro, àquele que não vemos, o homem de mil faces. E ainda é uma dobradora de palavras! Estas se dobram, se curvam diante daquela, e dançam conforme sua regência.

Com sua anuência eternizo aqui os pedaços de carinho que ela sabe formar tão magnificamente ao agitar os braços empunhando uma varinha mágica invisível (aos outros). Vaidosamente, ei-los!

2014

“Quantas Patricias cabem numa só Patricia? Ela nasceu em mil novecentos e oitenta e sempre e, aparece, assim, de vez em sempre, nem triste, nem contente, apenas gente, apenas sente. Ela sente tudo e não sente nada. Ela vai do oito ao oitenta, mesmo que esteja calada. Ela é silêncio quando tudo é barulho. Ela é tormenta quando tudo é calmaria. Ela é a calmaria que nasce da tormenta. Em um mundo tão confuso, tão intenso, e tão barulhento, ela nos ensina que a poesia nasce do caos e que ela, bem, ela nasce do que pretender nascer. Feliz aniversário, Patricia.”


2013

Queria que o dia tivesse 27 horas, para que, a cada hora, eu pudesse fazer um pequeno texto sobre uma de suas qualidades. Mas seria difícil escolher apenas 27 qualidades, aí eu escolhi a Patricia inteira. É isso, o que eu gosto de você é a sua inteireza. A sua completude (mesmo que, essencialmente, sejamos seres incompletos) é o que faz com que você seja tão especial, tão querida, tão única. Felicidades, Patricia.


2012

Coragem. Não preciso te desejar mais do que isso, porque você não precisa de mais do que isso para seguir em frente quando julgar necessário e para voltar quantos passos a vida te solicitar.

Coragem para arcar com as escolhas que fizer. Coragem para lidar com quem discordar das suas escolhas. Coragem para desistir quando estiver cansada de olhar sempre a mesma janela e encontrar a paisagem intacta, inerte. Coragem para dar vida à paisagem morta. Coragem para criar outras paisagens. Coragem para existir, porque isso já é complicado demais da conta, uai.

Feliz aniversário, Patricia.

terça-feira, 5 de agosto de 2014

Luz na escuridão



alma
sf (lat anima)
1. Nome que exprime vagamente a causa oculta dos movimentos vitais; princípio, força vital, princípio sensitivo e intelectual, vida.
2. Princípio imaterial da vida, do pensamento e da ação.
4. Substância incorpórea, imaterial, invisível, criada por Deus à sua semelhança; fonte e motor de todos os atos humanos.
5. Essa substância, quando separada do corpo.

reencarnação
sf (re+encarnação)
1. Ato ou efeito de reencarnar.
2. Segundo muitas seitas orientais e segundo o espiritismo, fenômeno em que a alma humana, desligada do corpo pela morte, vai, após tempo mais ou menos longo, alojar-se em outro corpo humano.

fim
sm (lat fine)
1. Termo, conclusão, remate.
2. Extremidade, limite de espaço, extensão ou tempo.
3. Intenção, propósito.


“Ela disse adeus, e chorou,
já sem nenhum sinal de amor.
Ela se vestiu, e se olhou;
sem luxo, mas se perfumou.
Lágrimas por ninguém,
só porque, é triste o fim.
Outro amor se acabou.
Ele quis lhe pedir pra ficar;
de nada ia adiantar.
Quis lhe prometer melhorar,
e quem iria acreditar?”


Abriu os olhos. Breu total. Passos se aproximavam.

- Olá! Finalmente alguém para quebrar o silêncio. Estava enlouquecendo por diversos motivos, entre os quais a solidão e o tédio. Como se chama? De onde vem?

- A solidão é sempre uma questão... Bom, eu? Não me lembro. Minha última memória remete a uma cena grotesca. Estava sozinha num campo aberto a olhar o horizonte quando vejo um ponto se aproximar. O ponto tornou-se reta, de reta a curva elíptica. Quando dei por mim estava cercada por uma víbora enorme, em movimentos circulares ao meu redor, como se estivesse atrás da própria cauda, e disse-me, na língua dos homens, mas de modo sibilante, algo como:

"Esta vida, assim como tu vives agora e como a viveste, terás de vivê-la ainda uma vez e ainda inúmeras vezes: e não haverá nela nada de novo, cada dor e cada prazer e cada pensamento e suspiro e tudo o que há de indivisivelmente pequeno e de grande em tua vida há de te retornar, e tudo na mesma ordem e seqüência - e do mesmo modo esta aranha e este luar entre as árvores, e do mesmo modo este instante e eu própria. A eterna ampulheta da existência será sempre virada outra vez, e tu com ela, poeirinha da poeira! Queres isto ainda uma vez e inúmeras vezes?"

- Em pânico, pupilas dilatadas, coração ligeiro, cravei as unhas nas palmas das mãos geladas, detive-me a pensar e, num segundo, ou foram dias?, respondi negativamente. Passado o abalo vejo que não há sentido evolutivo em reviver a mesma existência, uma vez que as aflições já terão trazido suas lições e os sabores da vida já não serão novos, e reitero racionalmente a escolha impulsiva. Retornando ao acontecido, uma vez dito o “não” fui enceguecida por uma luz azul cobalto e a terra se abriu, ou fui içada por braços invisíveis, e caí, ou subi, até aqui. Nada pregresso a este acontecimento faz parte do meu repertório. Qual o seu nome? Como você chegou aqui?

- Da última vez eu estava num ambiente gelado, antibiótico fluindo em minhas veias, ouvindo o estertor da morte. Fechei os olhos para piscar e, quando abri, estava tudo escuro. Este escuro. Vivi desde a adolescência entre pés de nhácamo, plantados em casa. Sempre achei a fisiologia das plantas atraente e me sentia poderoso ao conseguir maximizar sua produção com a química das reações, controlando temperatura, luminosidade e nutrientes do solo. Ver uma semente se transformar numa árvore de metro e meio em poucos meses me trazia a sensação divina! Não sei se você sabe, mas nhácamo é uma fruta suculenta com propriedades encantadas, deixada pelo deus Eagger para que amplifiquemos nosso entendimento.

- Conheço o nhácamo, mas não é um fruto proibido? De onde venho cada gota de orvalho sobre as folhas de um pé de nhácamo é a lágrima de uma mãe cujo filho se perdeu entre as cores e sabores desta drupa.

- Não existe nada mais bonito que o som de fortes determinações colidindo. Comer um fruto que é proibido você não acha irresistível? Nesse fruto está escondido o paraíso, o paraíso! Ele conecta as pessoas e traz leveza ao ambiente, enquanto aprofundamo-nos em nós mesmos e naqueles que nos cercam. As conversas mais edificantes que tive foram alternando nhácamo e risadas. A autoconsciência nos livra das demais necessidades. Como vê, ele cobrou seu preço, e peguei-o conscientemente.

- Discordo, porém compreendo... Agora dize-me!: quem é você? Onde estamos? Por que tenho a impressão de conhecê-lo?

- Fui muitos e não sou ninguém. A única coisa que aprendi, desde que cheguei neste lugar, é a efemeridade da vida. Purgatório, Limbo, Umbral, Grande Vertigem, independente do nome estamos em algum lugar e encontramo-nos nele, entre os desistentes e os insistentes, não por acaso. Não existe acaso, embora não me agrade o conceito de destino. Acredito mais numa verdade intermediária, um caminho no meio das pontas, onde encontram os que querem e os que fazem por onde. Àqueles que desperdiçam seus bens mais preciosos, tempo e energia, as extremidades.

- Você realmente não sente a força dos astros? O influxo de sua proximidade ou distanciamento, o desenho das estrelas cujo ligar traça nossos desígnios? Sem identificar a origem da influência vivi suas consequências. Tive uma ligação planetária, certa vez... Agora me lembro... – E centenas de pirilampos apareceram para dançar no céu, deixando ambos os vultos à mostra - Foi irracional e irrefreável! A mais elaborada razão sucumbia ao magnetismo sem foco.

- Creio somente no mérito da chama interior, a enorme força criativa que todos somos dotados. O homem lida imediatamente apenas com as suas próprias representações, os seus próprios sentimentos e movimentos da vontade. As coisas exteriores têm influência sobre ele apenas na medida em que os ocasionam. Se o destino só existe para cegar a realidade, e se é o destino que as estrelas nos dizem, então devemos destruí-las em si. Ouça a melodia das estrelas esmagando. – Enquanto aponta para o céu os agora milhares de pontos luminosos vão se extinguindo como luzes de velas sufocadas por apagadores. – Aproxima-te! Sinta o fogo cuspido pelo meu coração e que corre através das artérias, esquentando meus impulsos e nervos, e ouça as palavras acaloradas que assolam argumentos alheios, coroando-me sempre a vitória, saibam eles ou não.

- Você... Preciso de um Sol para energizar-me, não um fogaréu pra me queimar. A luz da fogueira é quimérica, fugidia. A dança das suas chamas se faz convidativa e, quando chegamos perto de mais, somos captados pelo hipnotismo das labaredas, e estas cobram nossa pele e carne para arder. Entretidos, quando percebemo-nos, voltamos ao carbono, e os danos feitos são irreparáveis. Aos sobreviventes a tez se recompõe, agora como couro, inelástico, marcado como gado com ferro quente. “Vejam lá os incautos, escondendo suas cicatrizes com sorrisos, infelizes!” dirão novamente, enquanto sentem-se elevados. O Sol, entretanto, é possuidor de uma prodigalidade inimaginável! Independente, caminha em todas as direções, de leste a oeste, com seu sorriso cintilante, e dá abraços suficientemente calorosos aos que se expõem; e as plantas ficam maiores para vê-lo passar; e os jacarés sequer movem-se, boquiabertos, diante da sua grandeza. Quando ele atravessa o frio míngua, a escuridão fica menos densa e as dores suportáveis; as doenças do corpo e da mente diminuem, apavoradas, e vão embora!

- Lembrou de mim, então? Recordou que foste a flor mais bonita do meu jardim? Cultivada com carinho e compostagem, gás carbônico e beijinhos em quantidade ideal? Por muito tempo houve o engulho com as nossas presenças, mas aquele livro findou e podemos recomeçar, ou reescrever. Ambiente novo, brisa nova, amor antigo.

- Eu fui apaixonada por você como jamais imaginei ser capaz e nunca duvidei do seu amor, mas hoje não sei se essa paixão foi por mim. Acho que você foi apaixonado pelo amor que acreditou sentir. E eu? Não tenho nada a ver com isso. É uma pena, mas aconteceu assim. Eu tive todos os sonhos com você e hoje isso virou tristeza. É tão misterioso o nascer das lágrimas... Eu não posso salvar aqueles que já se perderam. Só porque duas pessoas se amam não significa que elas devem ficar juntas e, Deus, como te amei!... Non è possibile!

- Mas, mas, mas... Não, não é! Eu nunca machucarei você novamente. Eu vou protegê-la! Lembra quando estivemos no litoral, com o vento trazendo a maresia, e, sobre aquela grande rocha, limite de dois distritos, vimos a lua e o sol juntos? O sol representa a alma, a lua a mente e a pedra o corpo. Estavam todos alinhados conosco. Estamos ligados, jurados, por isso a sensação de familiaridade. Uma pequena onda, gerada por uma pedrinha, um dia pode gerar uma grande onda. We can work it out! Só o tempo dirá se estou certo ou errado e temos todo o tempo do universo.

- A vontade, se não quer, não cede, é como a chama ardente que se eleva com mais força quanto mais se tenta abafá-la. Cedi. Desisti de você. Desisti de tentar. Nos vemos em outra vida. – E sentiu o peso de uma mão em seu ombro direito. Ao olhar para o lado inicialmente viu dois olhos azuis que tomaram o corpo de um senhor com barba, cabelos acinzentados, rosto sereno e roupa clara. Teve a impressão de que uma luz branca brilhava atrás da figura e das vestes do mensageiro, como se viesse através de um véu tênue. Reconfortou-se ao reconhecê-lo – Vamos?! - e, juntos, brilharam até completarem uma constelação.