[Do lat memoria]
Substantivo feminino
1. Faculdade de conservar ou readquirir ideias ou imagens.
2. Lembrança, reminiscência
sofrer
[Do lat sufferere, corr de sufferre]
Verbo transitivo indireto e verbo intransitivo
1. Padecer dores físicas ou morais:
2. Padecer com paciência
Verbo transitivo direto
3. Aguentar, suportar, tolerar
4. Experimentar, receber:
Há quase um ano sem passar aqui como escritora, apenas curio’saudosa,
refaço o caminho para rememorar meus dedos do papel que lhos cabe.
Depois de um tempo de estiagem achei que o poço havia secado;
temi que tivesse, enfim, acabado de tomar completamente a sopa de letrinhas ao
invés de brincar perpetuamente com estas com os indicadores. Minha folha de
papel continuava terrivelmente branca enquanto a mão pendia para o lado, inerte,
com os dedos para cima, aranha defunta que findara sua confecção. Acabara o combustível,
deixando-me na ignota estrada do silêncio? Onde estavam as pequenezas
sarapintadas que via com olhos molhados?
Escrevo hoje para molhar os lábios ressequidos, aguar a
semente do que antes fora um cedro-rosa, esculpido ao toco. Redijo para cortar-me com o papel e fazer
escorrer pelo polegar, que firma a caneta, o sangue escarlate que serve de tinta
e lampejo. Hoje as palavras são d’outro, as próximas (e aos próximos) as
minhas. Deixo-vos um poema cruento.
Essa noite
Pablo Neruda
Escrever, por
exemplo: "A noite está estrelada,
e tiritam, azuis,
os astros lá ao longe".
O vento da noite
gira no céu e canta.
Posso escrever os
versos mais tristes esta noite.
Eu amei-a e por
vezes ela também me amou.
Em noites como esta
tive-a em meus braços.
Beijei-a tantas
vezes sob o céu infinito.
Ela amou-me, por
vezes eu também a amava.
Como não ter amado
os seus grandes olhos fixos.
Posso escrever os
versos mais tristes esta noite.
Pensar que não a
tenho. Sentir que já a perdi.
Ouvir a noite
imensa, mais imensa sem ela.
E o verso cai na
alma como no pasto o orvalho.
Importa lá que o
meu amor não pudesse guardá-la.
A noite está
estrelada e ela não está comigo.
Isso é tudo. Ao
longe alguém canta. Ao longe.
A minha alma não se
contenta com havê-la perdido.
Como para chegá-la
a mim o meu olhar procura-a.
O meu coração
procura-a, ela não está comigo.
A mesma noite que
faz branquejar as mesmas árvores.
Nós dois, os de
então, já não somos os mesmos.
Já não a amo, é
verdade, mas tanto que a amei.
Esta voz buscava o
vento para tocar-lhe o ouvido.
De outro. Será de
outro. Como antes dos meus beijos.
A voz, o corpo
claro. Os seus olhos infinitos.
Já não a amo, é
verdade, mas talvez a ame ainda.
É tão curto o amor,
tão longo o esquecimento.
Porque em noites
como esta tive-a em meus braços,
a minha alma não se
contenta por havê-la perdido.
Embora seja a
última dor que ela me causa,
e estes sejam os últimos versos que lhe escrevo.