segunda-feira, 5 de novembro de 2007

Viver é mais do que estar vivo

efêmero
[Do gr. ephémeros.]
Adjetivo.
1.Que dura um só dia.
2.De pouca duração; passageiro, transitório:

“O efêmero é bom!”. Esta acanhada afirmação alimentou-me o pensamento, como a lenha à brasa.

A efemeridade é um tópos moderno. Difícil é quem pensa sobre a temática de modo crítico, argumentativo e com uma retórica convincente. Reproduzir frases previamente criadas – que guardam profundas verdades, mas àqueles que têm olhos que vêem, não vislumbram – pelas formas (fôrmas) dos pensadores até o Louro José faz.

Afirmar que o efêmero é bom é tomar como aprazível o incompleto, o substituível, o descartável. Nada mais atual, não? Pastoreamos nossa vida no fervor do capitalismo (cujo ponto máximo do eixo das ordenadas desta função quadrática, creio, ainda não foi alcançado) e somos coagidos a valorizar o palpável em detrimento do intelecto. Voltemos o holofote para a luta de opostos que está instaurada, a eterna tentativa de subjugação de um pelo outro. A esteticocracia (dos gregos aisthetikós [estético] + krátos – [poder]) tem levado a melhor.

Quem nunca ouviu que “pensar cansa”? Atire o primeiro livro aquele que não conhece alguém que prefere ler o resumo em vez da obra citada na bibliografia. Há uma brutal depreciação dos pensadores: filósofas são bruxas, insanas, ou bruxas insanas; menina inteligente é o antinômico de bela; “nerds não sabem se divertir”. É mais fácil formar um braço forte que uma cabeça com muitas sinapses ávidas por mais ligações entre si. Vazios televisivos são substitutos dos livros; qualquer tentativa de defrontação reflexiva com os monstros interiores é rechaçada com veemência.

Todavia, per se, Os Efêmeros somos nós e tudo que nos cerca. Lutar contra a transitoriedade, em maior escala, é nadar contra uma corrente que culmina, inevitavelmente, no mar negro que suga-nos o corpo para baixo da terra e empuxa nossa alma aos céus. A consciência da morte é a prova cabal de nossa fugacidade. Eis o subterfúgio e o desespero humanos: sua efemeridade.

O efêmero é bom? Sua predominância é irrefragável. Haveria sua grande dimensão também na conseqüência dos atos de Eros, numa preeminência do amor paixão em relação ao amor amor?


Abaixo segue um texto, ainda quente do forno, da filósofa e artista plástica Márcia Tiburi (http://www.marciatiburi.com.br/), gaúcha e livre pensadora que tanto me enche os olhos, cujo tema é o espetáculo Les Éphémères (Os Efêmeros), em cartaz no Sesc paulistano. O espetáculo trata da bondade humana, de vivências e momentos íntimos.



“Ando em busca d’Os Efêmeros. Encontro-os por todos os lados. Passantes calmos ou afoitos, vendo-se ou vendo-me. Os efêmeros são os vivos, os que podemos ver, e os fantasmas que vemos mesmo que não existam, e os que existem e não podemos ver. Qual a cegueira que nos toca, que nos impede a mira? O que eu veria se destapasse os olhos? Veria os efêmeros, os que se escondem, atrás de suas próprias nucas, e à sua frente perdidos de si mesmos em busca de si mesmos por meio de outros, e os outros? Outros, os desistentes e os insistentes, os efêmeros com seus sapatos, saias, bolsos, máquinas de fotografar, sombras; lêem livros, fazem teatro, assistem,esperam, comem, andam, olham, chegam, vêem, vão, os efêmeros estão por todos os lados, simples, complexos, apressados, com seus trejeitos, sorrisos, fome, seus objetos de espera, de sedução, repetem a vida, repetem a morte em vida, repetem a vida em vida, a armadura que sustenta toda vertigem. Os efêmeros formam atalhos, desvios, andam, andam, seguem lemingues sempre prontos ao abismo lento ao qual demos o nome de esperança. Os efêmeros são feitos de sinais, filigranas, fascínio, atenção, esperas, pés no chão, amor, prazer, conversas, ordens, são antípodas, são a nossa imitação. Os efêmeros nos perguntam e não respondem, os efêmeros só esperam que os ajudemos a atravessar a grande vertigem. Sempre a espera do grande contentamento invisível.Desnudemos os olhos. Queremos nossos olhos nus para que os efêmeros passem em seu cortejo triunfal em paz. Os efêmeros somos nós.”