quinta-feira, 13 de março de 2014

Duas vezes o dois


estrela
Substantivo feminino
[Do lat Stella]
1. Astr Astro que tem luz própria, cintilante, e é da mesma natureza do Sol, parecendo sempre fixo no firmamento.
2. Qualquer astro.
3. Destino, sorte.
(...)
5. Pessoa a quem se quer muito.


ósculo
Substantivo masculino
[Do lat osculu]
1. O mesmo que beijo.
2. Beijo de paz e amizade.



Bom dia, Beija-flor!

Escrevo esta carta para não ser lida por ti, com tinta invisível (só os que me amam conseguem lê-la!) e pena própria, que não vôo mais.

Sabe o que é, Beija-flor? Os verbos insistem na inconstância e o que “é” já “foi”, certamente, entretanto vez ou outra acorda hora como “será”, hora “seria”, e quando peço por “fôssemos” ele me responde com “formos”. Vá para rua! Vá para fora!, mas, gozador, o verbo pega o “fora”, muda a entonação e veste de “seja”, imperativo, e ri enquanto zango-me, e diz que do “ser” ao “saber” só faltam duas letras que insisto imaginar. Justo eu, ora essa, que sequer consigo reproduzir o Abaporu em traços infantis ou criar um conto de duas laudas.

Os lugares também estão de zombaria comigo, acredita? Os que fomos juntos perguntam-me de ti e questionam o motivo das minhas mãos vazias; os que vou sozinha vêem sua sombra na minha e comentam, desinteressadamente, sobre um casal que certa vez foi feliz e assim seria se... Não os deixo findar e saio, Beija-flor, porque eles não entendem que água não fura pedra, o  sol que dá vida também queima e forças iguais, mas opostas, se anulam. Descobri, entretanto, que a cessação não é permanente, visto esta carta, que insiste em se escrever.

Ah, Beija-flor, a Terra desgirou e girassol agora segue a Lua, gato foi visto ladrando e Newton caiu na cabeça da maçã. A única coisa que roda em sentido horário, e bate junto com o relógio da igreja matriz, é meu coração, mas ele  deu para carrear sangue branco, leitoso, que as cores foram embora contigo, gota a gota, num óstio que não cicatriza. Engraçado, né? Anotarei aqui um apontamento sobre ir ao médico.

Ah, ia esquecendo-me! Espalhou-se na praça: as estrelas contaram para as águas, que contaram para os peixes, que contaram para os pássaros, que cantaram para mim: duas constelações novas se entrelaçaram, a Figa e a Fuga, astros menores. E enquanto aquela ascendia fulgurante esta perdia terreno e planetas, e o tempo não era bom com ela. Nem com a primeira, se quer saber, porque sua nebulosa, baseada em esperança, era um gato de Schrödinger e estava viva e morta. Em prol da sua concretude Andrômeda ofereceu-se em sacrifício, Sagitário dispôs sua seta e até a discreta Antares opinou que, então, na ausência de um consenso, melhor era tudo se acabar. Nada disso adianta, Beija-flor! Antares está certa, mas, ah, se fosse fácil assim... Oxalá Astrologia fosse Matemática!

Relendo-me agora não tenho mais certeza sobre a invisibilidade desta epístola. Ou seria este meu desejo? Duas vezes o dois é vinte e dois ou fevereiro? Não sei, e para não confundir-me além da sanidade e ir a galope à psicose poupo-me a internação na Casa Verde de Itaguaí e findo por aqui. Minhas últimas palavras para ti, pelo menos por hoje, ou esta hora, certamente nesta carta, ei-las:

“Parabéns, meu amor!”

Ósculos!