quinta-feira, 16 de outubro de 2014

Fugere Brasiliam



fugir
vti e vint  (lat fugere)
1. Pôr-se em fuga; afastar-se rapidamente para evitar perigo, incômodo ou alguém;
2. Retirar em debandada;
3. Ir-se afastando, ir-se perdendo de vista;

despatriado
adj (des+pátria+ado)
1. Expulso da pátria; expatriado, exilado.
2. Que não tem pátria: apátrida.

desilusão
sf (des+ilusão)
1. Efeito de desiludir, desengano
2. Perda de ilusão;



“Eu fui aquele que andou
sessenta léguas num dia
para ver se breganhava
tristeza por alegria.”



Já de volta ao Brasil, devidamente descansada da viagem, depois de tudo que vivi na última semana, me coloquei a pensar. E conversei com pessoas queridas. E repensei. E ainda estou pensando, mas hei de colocar as ideias parciais aqui antes que me perca nos sonhos ou as perca à realidade.

A vida fora do Brasil é uma vida boa. Mesmo diante da crise é bem vivida, melhor que aqui, segundo critérios objetivos meus como educação (estudada), educação (aprendida através do exemplo), estímulo ao lazer e oportunidades de trabalho. Na decadente Argentina, por exemplo, quase todos sentados num pub ou restaurante, durante o dia, liam seus livros ou jornais numa paz e concentração invejáveis. Lá há o estímulo à boa gastronomia, ao passear pelos parques com a família nos feriados, ao uso da bicicleta como meio de locomoção. Por onde olhava havia sempre um movimento, rítmico, sem o compasso apressado a qual infelizmente me acostumei. Um dinamismo de vida, não apenas existência.

Ao voltar ao meu país me deparei com preços absurdos de coisas simples sobretaxadas, a cultura da lei de Gérson, um clima que agride, um crime que agride. Não é um sentimento convidativo, aconchegante, como o retornar à casa dos pais. Entre país e pais só há a diferença no acento agudo. Ou assim deveria ser. Eventualmente, portanto, concluo, sairei do Brasil, seja para continuar minha missão como médica, seja para recomeçar da base, fênix desapegada e corajosa que sempre fui.

Outro ponto é a valoração das amizades e das boas companhias como meta de vida. Enquanto escrevemos o livro da nossa história conhecemos muitas pessoas. Algumas se tornam nossas colegas (pelos mais diversos motivos, como identificação unilateral, proximidade geográfica, pensamentos similares, mas nem tanto) e raríssimas entram pro patamar de amigas. Aferimo-las pela atemporalidade, não restrição à localidade, pelas características amorfa e quase incondicional da intimidade. Na viagem de agora foi regada uma flor plantada no meu jardim há cerca de 20 anos e que traz suspiros de conforto e proteção a cada encontro. Com ela vieram sua mãe e avó, lírio e margarida, conhecidas à idade similar, mas nunca com tamanha e intensa convivência, mui agradáveis surpresas. À parte desta digressão, ainda estou sob os efeitos terapêuticos do ungüento feito à base de 6 dias de prazeirosa lapidação. E penso!

Ainda no meu terreno fértil, porém de cercas altas e farpadas, existem plantas de tempos variáveis. Algumas com 6 anos de plantio, outras com 9, poucas com mais (ou menos) que este intervalo. A óbvia interpretação deste gráfico imaginário é a abertura escassa do espaço ao plantio, arado, poda e compostagem. Existem menos flores que o espaço suporta pela não permissão, da minha parte, à polinização feita pelas abelhas que passam pelo meu cotidiano. Muitos girassóis-semente deixam de nascer pela ausência d'um punhado de terra. Privo-me da beleza, perfume e cura da flora que poderia estar, mas não o faz, ao alcance de um braço ou abraço.

Agora não mais! Está aberta a temporada de atração às abelhas! E os pensamentos continuam.