sexta-feira, 3 de fevereiro de 2017

John Doe

resistência
substantivo feminino
1. Ato ou efeito de resistir.
2. Capacidade que uma força tem de se opor a outra.
(...)
4. Defesa contra uma investida.
5. Recusa do que é considerado contrário ao interesse próprio.
6. Mecanismo de defesa utilizado pelo analisando para recusar-se a não tomar consciência de suas motivações, dificultando o retorno aos traumas vivenciados.




suicidar-se
verbo pronominal
1. Pôr termo à própria vida; cometer suicídio, matar-se.

casar
verbo pronominal1. Unir-se pelos laços matrimoniais; embirar.
(...)5. Agrupar(-se), em pares, por certas afinidades:


John Doe

Ela olha o vestido meticulosamente branco e passado, como se branco fosse seu passado e disso dependesse seu presente. Os sapatos estão ao lado dos cactos, contra a luz, na janela. Suspira e lembra-se do primeiro encontro deles, num pub irlandês, expectativas de mais para um rapaz com roupas de marca de menos. Cercada de amigas e risadas abre uma pequena caixa marrom com uma joia, que fora da sua mãe, ou da mãe dela, ou da mãe de alguém, ou de mãe nenhuma. Não conseguiu ouvir direito. Silencioso também foi seu ganido, desesperado, que passou incólume.

Ele afivela o cinto com dificuldade, abotoa as mangas da camisa larga e aceita que nem no seu casamento as vestes cairão bem. Os trajes de tamanho normal ficam apertados e os um pouco maiores ficam largos demais. Sempre se manteve neste limbo, solitário, até encontrá-La. Nunca foi um garoto magro, pelo contrário, esse menino não come nada e tem esse corpo, ouvia seu médico a cada consulta. Ainda assim, com sua insegurança escondida pelos vultos da internet, conseguiu um primeiro encontro e, embora indo sem acreditar, foi acreditado e culminou no dia de hoje.

Ela pinta de preto os olhos, porque Ele gosta, talvez, e passa rímel nos cílios que não são seus. Suas bochechas já se encontram exageradamente rosadas e os cachos, forjados no calor, com spray. O vermelho faz-se presente na boca e nas mãos. Fecha o vestido com ajuda da irmã, mais velha e mais bem resolvida, calça os sapatos, olha-se no espelho, sorri, insegura, inspira profundamente e desce as escadas do hotel.

Ele arruma a gola da camisa, acerta o nó na gravata, ajeita a do pai que, descrente até aquele instante, não conseguia parar de tremer as mãos tão destras de padeiro. Amarra os sapatos, pretos e polidos, coloca as alianças no bolso e desce as escadas do hotel.

Na igreja os poucos amigos estão amontoados, com vestimentas recicladas e o celular em riste. Ela chega acompanhada do pai, mãos dadas, segurando o choro. Uma hora se passa, os burburinhos vão ficando altos. E ele? Deitado com o terno sujo de sangue, após o estampido da arma contra o peito, num banheiro do posto em que parou para aliviar-se. Aliviou-se! Não suportou o amor.