sexta-feira, 26 de fevereiro de 2010

De pró-são!

suicídio
(u-i). [Do lat. sui, ?de si?, + -cídio.]
Substantivo masculino.
1.Ato ou efeito de suicidar-se.
2.Fig. Desgraça ou ruína procurada de livre vontade ou por falta de discernimento.

pró
[Do lat. pro.]
Advérbio.
1.A favor.

são
[Do lat. sanu.]
Adjetivo.
1.Que tem saúde; sadio:
2.Que recobrou o estado de saúde; curado.
3.Ileso, incólume:
(...)
8.Razoável, moderado.

Tomo a liberdade de criar uma palavra. Os unificadores xiitas da língua portuguesa hão de me perdoar, mas o assunto é seriíssimo. É questão de vida. De suicídio.

Hoje, 24/02, foi descoberto o corpo em putrefação de uma garota da minha faculdade. Um período acima. Um ano de idade abaixo. Hoje, 24/02, foi descoberto que a menina, Maria*, sofria. Hoje, 24/02, foi descoberto que um pouco de calor humano poderia fazer a diferença na escolha entre a certeza de viver e o planejamento do morrer.

Maria era uma menina aparentemente comum. Tinha dilemas, como todas as pessoas normais da nossa idade, com prazeres e desgostos em relação à sua atual realidade, sabor agridoce altamente incidente a todos que fazem nosso curso universitário, era prestativa, introvertida, adepta dos “poucos e bons” amigos. Mas Maria era mais. Era uma sofredora solitária. E a Angústia, incomensurável que só ela, parida numa depressão arrastada, ultrapassou o instinto mais primitivo dos seres viventes: o da auto-preservação.

Angústia, a filha bastarda da Morte, que dela herdara o sentimento de incômodo, eterno enquanto durar, pegou a mão de Maria, como mãe e filha, caminharam juntas sob promessas de resolução, e disse à menina que o caminho a seguir era procurar a felicidade n’outra vida... Que não haveria esperança enquanto ela fosse Maria... Que Maria não faria falta, era parte do excesso populacional do planeta. Corpo a menos na Terra, espaço garantido no céu. Maria, cega pelas lágrimas ácidas que eram suas únicas companheiras há meses, fez do ambiente doméstico seu sepulcro, do fio do telefone sua espada justiceira. Solitária foi sua morte, reflexo do espaço vazio que existia sempre que se olhava no espelho da vida.

Numa rápida retrospectiva, ao ler as linhas e nós do tecido do tear da vida de Maria, sob o olhar sempre desconfiado de uma das Parcas, a fiadora, vemos fios grossos de uma solidão profunda. A menina tinha na pele a cor do frio que sentia, do papel em branco onde estavam escritos o nome de seus amigos. Ela vivia sob a neve da reclusão; sem braços calorosos para envolver-te; faltava-lhe uma companhia para terapiar.

Ah, terapiar!, o ato de trocar amadoramente experiências e conselhos entre pessoas que se prezam. O dom mágico que nos foi agraciado com o advento das palavras. O melhor dos presentes, o maior dos antídotos. Todos terapiamo-nos, uns mais, outros menos, ou deveríamos fazê-lo. Terapiar seria o elixir de Maria, como foi o de Josés, Joões, patrícios e Patricias. Devolver-lhe-ia o sorriso branco no rosto, o róseo das bochechas, o colorido da vida.

Maria não era uma suicida típica, como poucos, desse contingente, o são. Um suicida em potencial anda entre todos sem trair-se pelo olhar, pode almoçar contigo e se matar 30 minutos depois, pode ser um dos seus melhores amigos e você não saber. Um suicida em potencial não faz drama ou alarde, é alguém que, silenciosamente, grita por socorro. Pode ser seu pai, seu amigo, ou aquele vizinho de apartamento que sempre aperta o botão do andar pra ti por pura gentileza.

Tenho uma missão pra você, que lê este texto. Sabe aqueles seus amigos, assim, muito queridos, e que há tempos vocês não se falam? Então, faça-os saber que são amados, e que as águas do tempo não apagaram seus nomes escritos na areia da sua vida. Olhe para o lado, pros seus companheiros do dia-a-dia, aqueles que sorriem e choram contigo (ou por ti, pra ti), agüentam teu mau-humor e são mal-humorados contigo. Abrace-os fortemente sempre que os vir para que eles sintam, pelo tato, que seu coração bate mais rápido e forte toda vez que os identifica na multidão de conhecidos. Perdoe seu pai/irmão brigão... Por mais que vocês não se dêem bem, um faria uma falta cabal para o outro. Dê importância a quem te é precioso. Esta é a lição que as parcas amizades de Maria propagarão durante suas vidas. Maria quis morrer, mas fez-se eterna. Este é o assunto do próximo post.

*Maria é um nome fictício para que não houvesse a identificação da alma sofredora por curiosos. Neste momento ela precisa de orações, não de pena.