sábado, 22 de maio de 2010

Não sou nada. Nunca serei nada. Não posso querer ser nada.

viver
[Do lat. vivere.]
Verbo intransitivo.
1.Ter vida; estar com vida; existir:
2.Perdurar, subsistir, existir; durar:
3.Passar à posteridade; perpetuar-se:
4.Gozar a vida, sabendo aproveitá-la:

sofrer
[Do lat. *sufferere, por sufferre.]
Verbo transitivo direto.
1.Ser atormentado, afligido por; padecer:
2.Tolerar, suportar, aguentar:
4.Ser vítima de, passar por, experimentar (coisa desagradável ou danosa):
Verbo intransitivo.
6.Sentir dor física ou moral:
8.Padecer com paciência.
Verbo pronominal.
11.Conter-se, reprimir-se, sofrear-se.


“Não entendo nem compartilho essas alegrias, embora estejam ao meu alcance, pelas quais milhares de outros tanto anseiam. Por outro lado, o que se passa comigo nos meus raros momentos de júbilo, aquilo que para mim é felicidade e vida e êxtase e exaltação, procura-o o mundo em geral nas obras de ficção; na vida parece-lhe absurdo. E, de fato, se o mundo tem razão, se essa música dos cafés, essas diversões em massa e esses tipos americanizados que se satisfazem com tão pouco têm razão, então estou errado, estou louco. Sou, na verdade, o Lobo da Estepe, como me digo tantas vezes — aquele animal extraviado que não encontra abrigo nem alegria nem alimento num mundo que lhe é estranho e incompreensível.”
(O Lobo da Estepe - Herman Hesse, página 34)


Ontem, durante o almoço, conversando sinceramente com uma amiga queridíssima, entretanto pouco presente no meu atual cotidiano, cheguei à conclusão de que queria ser uma pedra. Simples assim, uma pedra. Não um busto de alguém notório em pedra polida, nem uma pederneira que seria o gatilho para uma noite clara e confortavelmente morna àqueles perdidos na selva de si mesmos, muito menos uma pedra preciosa, ou a filosofal, com sua feitiçaria e beleza sem precedentes.

Eu queria ser uma pedra, e levar a vida que as pedras levam. Elas é que são felizes. Elas é que sabem viver. Os penedos não só existem como resistem bravamente a esta vida de malogros e flagelos, uma desdita sem fim cujas imperfeições estão mascaradas sob o pó do utópico final feliz. Poderia você afirmar, diante do deus que acredita, sem ter remorso ou soar falso, que é verdadeiramente feliz? Responderia você de modo afirmativo e imediato ao demônio, referido por Nietzsche em A Gaia Ciência, que oferecer-te-ia a lei do Eterno Retorno?

Diante do enigma da existência, um lugar seguro para se viver pode ser... Lugar nenhum. Utopia quer dizer “não-lugar”, um sonho que alimenta a esperança do homem por uma vida em que reina agonia e aparente felicidade em estado alternado como são salteados também as cores de um tabuleiro de xadrez. Eis o cheque-mate que vos faço: sonhar com o impossível é um sonho que vale a pena? Melhor viver o ideal utópico ou a realidade trágica?


Queria ser uma pedra e poder esquivar-me do mal estar que se grassa na civilização e nos é o mais déspota estadista. O sofrimento não acontece em você, não entra por uma brecha da sua alma. Ele sempre esteve ali! Ele faz parte do seu espírito, como ser vivente e inteligente. Nossa psique sofre porque sabe mais do que deve, mas nunca saberá tudo o que precisa. Somos deuses fadados ao eterno martírio por estarmos amarrados a um corpo em constante putrefação desde o segundo em que, ao nascer, inspiramos o oxigênio, vital e tóxico, nosso primeiro paradoxo, e temos como o mais rudimentar dos sons o choro, já pelo desgosto da vida. Existe, de alguma maneira, a dissociação entre viver e o sofrer? Vale a pena você lutar contra o destino, ainda que, no final, você seja (e será!) derrotado por isso?

A única maneira de ser feliz, creio, é viver sem grandes ilusões, como fazem as britas, que nada mais são ou querem ser do que pedras lascadas pela vida e para os viventes, e tocam sua existência aplástica em tons castanhos e cinzas como são estranhos e cinzas os restos mortais do nosso couro que reveste o grande pesar interior. E quando, não muito distante da data de hoje, cansar de viver, simplesmente deixaria de resistir e viraria um punhado de areia a viajar na garupa do vento e a entrar nos olhos daqueles desavisados que olham para o sol e querem ver mais das verdades de Galileu e de Deus. E estes, antes de virar sílica, agradecer-me-ão por cegar-lhes à realidade e apresentar-lhes o indulto e a desgraça de ser uma rocha.

Sabe qual meu maior medo? Viver eternamente.