terça-feira, 23 de junho de 2009

Dama do século 21 (?)

arrependimento
[De arrepender(-se) + -imento.]
Substantivo masculino.

1.
Ato ou efeito de arrepender-se.
2.
Compunção, contrição.
3.
Ét. Insatisfação causada por violação de lei ou de conduta moral, e que resulta na livre aceitação do castigo e na disposição de evitar futuras violações.

De pés descalços Ela caminha, na areia, em direção à sua casa. Seus cabelos eram da cor do sol que refletia no mar a sua direita. A festa do dia passado fazia-se presente hoje; e Ele, em casa, dormia. O sal da maresia penetrava-lhe as narinas e lembrava a Ela que nem tudo da noite anterior fora doce. Aquele quinze ficaria em sua memória, como outros números: era seu sexto dia na cidade, a terceira vez que via o Outro, e sua (dEla) primeira traição.



Já passara da meia noite e Ela não poderia ir embora. Não sozinha. Não depois de onze cervejas. O Outro oferecera sua casa, em troca de silêncio; ou seja: sua cama... Com ele junto. A troca de olhares, um devorando mentalmente o outro, estava presente há horas. Eram jovens adultos, com muito em comum, cujas libidos estavam afloradíssimas. Ela, alva como o dia; ele, moreno-tentação. E Ela cedera ao convite ao pecado. Caminharam até a casa do Outro.


No elevador aconteceu um abraço – “Amiga eterna, sempre nos ajudaremos na faculdade?” – e algo molhou o pescoço dEla. Silêncio no apartamento do Outro: todos dormiam, menos suas intenções. Respirando o ar que saía das narinas dele, outro abraço pediu para acontecer. Duas mãos seguiam das costas em direção caudal – uma dEla, e a outro d’Outro. Não havia mais volta, seus corpos se roçariam até que um deles (ou ambos) perdessem o fôlego. Naquela noite de sexta duas crianças brincaram de fazer amor.


A Claridade veio de mãos dadas com a Responsabilidade. Para cumprir a promessa de silêncio deveria partir imediatamente! Ao passar em frente a casa dEle (Ele e o Outro eram vizinhos – que ironia) Ela experimenta o torvelinho da ressaca moral; provavelmente Ele dormia com os anjos, e coçaria sua testa mais tarde, não em reflexo ao pousar de um díptero, mas pela noite em claro daquela que Ele chama de Meu Amor.


Ruborizada, afasta-se em direção ao banco da praia. Quis dar um mergulho, roupa e tudo, para deixar ali as proas líquidas da noite anterior, mas não o fez: o mar estava tão sujo quanto a moral de Ela. Contentou-se em voltar pra casa, pé na areia, lentamente, bela e solitária como a Lua, para mais um dia que se inicia; melhor seria se fosse noite.


Bom descanso, Dama da Esbórnia!

4 comentários:

Raphael C. Lima disse...

A dama vai, passeia e se perde nas sinuosas e acidentadas estradas da Esbórnia. Cambaleia, cai e se banha no charco. Liquefeita no lodo, despida de sua propriocepeção, nem sabe mais onde começa ou se encerra. Se funde. Já que se manchou, aproveita e se refresca. Ou se aquece, queima. Incedeia.

Raphael C. Lima disse...

A propósito, você se identifica com a personagem (ou vice-versa, rs)?

Israel Son disse...

Ah sim, lido. É meio angustiante de ler na verdade. Espero que Ele não tenha lido, bem, eu não teria gostado se fosse... Tem mais da "Dama do século 21" do que arrependimento no escrito. Mesmo não sendo esse um privilégio do nosso século. Como vc me disse na viagem que meus vividos não devem ser projetados como verdade universal de toda relação, eu digo o mesmo, a "Moral" não tem idade, não fica moderninha nem ultrapassada. Obviamente não estou julgando, pois a moralidade tbm é algo relativo. Eu sou da legião dos "fiz porque meu corpo quis", talvez ainda não se explique, não há álcool que justifique, mas se fiz procuro os motivos e aceito. Só vivo uma vez, errando e acertando, quem eu era ontem não pode ser julgado pelo eu de hoje, porque são pessoas diferentes. Gostei mesmo, muito franco, só achei estranho o disparate entre o título/moreno lero lero com a intenção aparente de arrependimento.

Thiago Coronato Nunes disse...

Eu não ia comentar nada, nem devia, nem vou. Um dia, numa mesa do Mc'Donald, falei até demais. Fato curioso é ler um comentário do meu companheiro de turma aqui em cima...

Viva o passar do tempo. As escolhas. As conseqüências.